Finlandeses realmente são os mais felizes do mundo?

Finlandeses realmente são os mais felizes do mundo?

Não é novidade que a Finlândia ficou no topo da lista dos países mais felizes do mundo — pelo sétimo ano consecutivo — na polêmica classificação feita pela Universidade Oxford. Então, tive uma ideia: por que não passar algumas semanas aqui durante o mês mais frio do ano e tentar, ao máximo, viver o estilo de vida finlandês?

Arrumei minha mala, trouxe meus materiais de trabalho e vim passar três semanas na Finlândia. Hoje, quero compartilhar algumas das minhas conclusões sobre os dias curtos do inverno finlandês.

Primeiramente, conversaremos um pouco sobre este estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Bem-Estar da Universidade de Oxford. Em seguida, descreverei cinco fatores ligados à felicidade na Finlândia e, por fim, responderemos a essa pergunta de um milhão de euros.

 

Sendo feliz no cenário de filme de sessão da tarde em Rovaniemi, Lapônia finlandesa

Felicidade para quem?

Todos os anos, neste questionário de felicidade, os parâmetros utilizados para medir a felicidade são revisados, o que significa que a concepção de felicidade é ajustada com base nos fatores que a equipe considera mais relevantes.

Em 2024, por exemplo, os principais aspectos avaliados nos questionários foram: PIB per capita, apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade e ausência de corrupção. Cada um desses temas é explorado detalhadamente, e os participantes avaliam suas próprias vidas em uma escala de 0 a 10, sendo 0 a pior e 10 a melhor possível.

É um estudo interessante, mas você prestou atenção às variáveis do último ano? Só lendo brevemente a lista de fatores analisados, já dá para perceber que países pobres não podem ser “felizes”… 

O problema aqui é que muitas pesquisas que medem aspectos psicológicos e realizam comparações interculturais o fazem com critérios excludentes. Nesse sentido, os resultados comumente possuem um viés intitulado “WEIRD” (estranho, em tradução livre). WEIRD é um acrônimo estudado por Atari e colegas (2023) que descreve populações Western, Educated, Industrialized, Rich, and Democratic (Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas, em tradução livre).

Ou seja, o conceito de felicidade é avaliado com critérios de homens brancos, com um capital cultural específico, com acesso às mais inovadoras tecnologias, com dinheiro no bolso para gastar com tudo o que as mídias nos fazem entender que é imprescindível para nosso cotidiano e, aparentemente, “democráticos” (com certas exceções — vai depender de aspectos como seu gênero, seu bolso e sua etnia, claro…).

Esclarecendo melhor, essa pesquisa não é lá das mais representativas. Ela vai considerar felicidade poder dar ao seu filho o iPhone do ano, mas não vai considerar felicidade uma mulher muçulmana se sentir alegre ao se casar com um parceiro cuja família cuidadosamente (e comunitariamente) analisou o perfil e as condições que ele aporta consigo. Ela vai considerar acesso à educação entender Monet e ter visitado seu jardim em Giverny, mas não ter crescido e andado com elefantes durante a infância em Botsuana.

Isso, entretanto, não quer dizer que a pesquisa não seja pertinente ou que não possamos analisar fatores relacionados à felicidade. Por isso, a pergunta principal a ser respondida aqui não é “A sociedade finlandesa é mais feliz?”, e sim “Quais fatores sociais, culturais, biológicos e econômicos fazem com que os finlandeses sejam felizes?”.

1 - Finlandeses são confiáveis

Se algum finlandês te prometer algo, durma com o coração tranquilo, sabendo que, se não acontecer, é porque realmente houve uma urgência que impediu isso.

A dimensão da confiança afeta muitas coisas por aqui: vai desde guardar um segredo, não passar seu tempo falando mal das pessoas, cumprir o que lhe dizem até chegar pontualmente ao local marcado. Não importa se for uma entrevista de emprego ou um jantar com uma amiga — chegar no horário aqui é visto como uma questão de respeito ao tempo do outro.

Lembro-me de minha amiga finlandesa me contando que uma das piores memórias que tem da infância foram os dois dias em que chegou atrasada à escola. Segundo ela, essa é uma das piores coisas que podem acontecer a uma criança finlandesa, pois a pontualidade é algo extremamente incentivado na cultura local.

Vivi na pele essa pontualidade com o Dr. Partonen, um renomado pesquisador finlandês na área do Transtorno Afetivo Sazonal, com quem marquei um encontro. A reunião foi agendada para as 13h em ponto. Querendo fazer meu dever de casa direito, cheguei com 10 minutos de antecedência e o aguardei na recepção. Ele não apenas estava prontíssimo para me encontrar às 13h, como chegou para me buscar às 12h58.

Essa confiança fundamental presente na sociedade finlandesa permite que as pessoas se sintam seguras, tanto nas relações individuais quanto em sua vida pública. E sentir-se segura nessas esferas é algo protetivo para a saúde mental de qualquer ser humano.

2 - Finlandeses têm contato contínuo com a natureza

Você já viu alguém voltar de uma caminhada ou trilha na natureza reclamando que isso gerou burnout? Eu também não. Mas já testemunhei pessoas sofrendo com o uso excessivo das telas, com a poluição sonora, com a qualidade do ar…

Nos últimos anos, estudos em Psicologia vêm dando maior atenção aos benefícios desse contato entre o homem e a natureza, verificando até mesmo uma eficácia significativa de tratamentos baseados em imersão na natureza para tratar transtornos, como o de estresse pós-traumático.

O contato constante com a natureza é uma das melhores coisas que você pode fazer pela sua saúde mental, e essa prática é facilitada e encorajada na população finlandesa desde muito cedo.

Na Finlândia, é muito difícil você estar a mais de 10 minutos de caminhada de uma floresta ou de um parque. Eu estive no país durante o inverno, mas, independente da estação, estar fora de casa faz parte do estilo de vida. Desde bebês, eles já são colocados para tirar sonecas no carrinho fora de casa. Quando a neve cai, a família inteira sai para brincar na neve, descer colinas de neve em trenó, fazer esqui cross-country… Nas minhas semanas em Helsinque, fez parte da minha rotina ver grupos de amigos fazendo esportes, mesmo no frio de -6 graus Celsius.

O frio não para o finlandês. Pelo contrário: há uma quantidade impressionante de atividades de inverno ao ar livre a serem feitas. Durante minha estadia, desenvolvi o hábito de patinar em algumas das várias pistas de patinação ao ar livre gratuitas que a cidade oferece, além de visitar diferentes saunas e alternar entre as tradicionais cabines de ar quente e o nado (de alguns segundos e sempre acompanhada!) em águas marítimas de temperaturas congelantes (entre 0 e 2 graus). Estudos apontam que essa tradição da sauna é benéfica para a saúde física devido aos seus efeitos positivos nos sistemas circulatório, cardiovascular e nas funções imunológicas.

3 - As pessoas são honestas

Eu já tinha ouvido falar de uma amiga bicultural (brasileira e finlandesa) que é muito raro um finlandês passar a perna em você, mas eu não tinha entendido a dimensão dessa fala até passar um tempo por lá. A Finlândia frequentemente é classificada entre os melhores países do mundo nos quesitos transparência e percepção de pouca corrupção.

E realmente, a honestidade pode ser vista em qualquer lugar se você olhar com atenção: no motorista do ônibus que mal verifica o seu ticket de transporte quando você entra (tive até a impressão de que alguns ficam constrangidos quando faço questão de que vejam meu ticket); no vestiário da pista de patinação, onde as pessoas deixam suas bolsas e vão patinar tranquilamente, sem o temor de que suas coisas serão furtadas; nas luvas de inverno pelo caminho, que, quando perdidas, são colocadas mais à mostra para que o dono as encontre mais facilmente (será que aqui não tem a expressão “achado não é roubado, quem perdeu é relaxado?”); no amigo finlandês que só vai aceitar um convite se realmente estiver interessado (o que nos faz voltar ao fator confiança); no atendente da pista de patinação, que vai te emprestar a moeda de 1 euro para que você tenha acesso ao armário, e por aí vai.

Pareço serena, mas estava pensando na minha mochila sozinha no vestiário.

4 - Forte sensação de apoio comunitário e empatia

Os finlandeses podem não ter segurado a porta quando eu passava como os franceses fazem, ou ter vindo me oferecer ajuda como fazem os emiradenses, mas de todas as vezes que eu pedi ajuda, eu recebi. Eu confesso que, compreendendo os países nórdicos como países de cultura mais individualista e menos comunitária, eu tinha dificuldade em entender como muitos deles ficavam no topo de estudos de “empatia” e “senso de comunidade”.

Costumamos achar que o brasileiro é muito empático porque somos camaradas e amigáveis. Se virmos um gringo perdido, oferecemos ajuda, fazemos “amizades” rapidamente com ele e o convidamos para o churrasco da família num domingo.

Você pode ler esse ponto e pensar: “Como assim a Finlândia é empática, se as pessoas mal olham para você na rua?”. É aqui que está o pulo do gato: empatia não é somente emprestar dinheiro para o seu vizinho ou dar comida para alguém necessitado.

A empatia, para além de comportamentos de generosidade, também se mede por indicadores sociais que são básicos: parar numa faixa de segurança, estacionar no local correto, não furar sinal vermelho, não transgredir normas, respeitar o espaço pessoal do outro… E é por isso que o Brasil não fica nas melhores posições: somos muito queridos e “parças”, mas infelizmente não há quantidade suficiente de pessoas exercendo uma cidadania responsável.

Finlandeses podem ser empáticos. Repito com a entonação necessária: eles PODEM ser empáticos, porque, obviamente, as condições socioeconômicas, a cultura, mas também as políticas governamentais e a justiça permitem isso.

O Brasil é um país com um tecido social enfraquecido por vários motivos. O primeiro deles é a quebra do ensino público, que nos afastou de algo chamado democracia dos afetos. A democracia dos afetos é um conceito que se refere à distribuição equitativa da empatia, do reconhecimento e do cuidado nas relações sociais. Em outras palavras, significa que todas as pessoas deveriam ter o direito de ser vistas, ouvidas e respeitadas emocionalmente, independentemente de status social, poder ou proximidade afetiva. Se a educação está quebrada e você sente a necessidade de colocar seu filho em uma escola elitista onde ele vai aprender que o que ele tem é o seu status, isso já quebra a democracia dos afetos. Se um colega do trabalho coloca seu carro em uma vaga não permitida, mas isso é relevado, afinal, ele é filho do dono da empresa, a discrepância entre o que você pode e o que o outro pode começa a ficar confusa. Na Finlândia, essa discrepância é mínima.

O segundo motivo que faz com que o Brasil não seja um exemplo em termos de empatia é a relatividade jurídica. O que é crime no Brasil? Não sabemos, depende de quem cometeu. A gente não sabe mais o que é certo e o que é errado, pois as mesmas regras não são aplicadas a todos; logo, a alguns são oferecidos mais empatia do que a outros.

Um terceiro ponto importante é que a segurança pública finlandesa é uma das melhores do mundo. No Brasil, temos uma quebra importante da segurança pública: se não podemos nem andar na rua sem o temor de sermos assaltados, como vamos socializar em massa se a segurança está condicionada a estar marginalizado, num apartamento Plaenge, de preferência no último andar, o mais longe possível do povo? A socialização é um manto que nos protege, e no Brasil esse manto está furado. Nossas crianças se tornaram crianças de condomínio, não brincam mais fora das telas durante a infância, que é exatamente o momento no qual estamos com a prontidão cognitiva e emocional para desenvolver habilidades socioemocionais (entre elas, a empatia).

Na Finlândia, a vida em sociedade é facilitada: bibliotecas públicas têm áreas não somente para ler e estudar, mas para almoçar, para jogar xadrez com os amigos, para brincar com suas crianças, costurar com sua amiga… Pistas de patinação e hóquei são gratuitas, muitas áreas para fazer sua fogueirinha e assar suas salsichas e marshmallows são públicas, não reserváveis e acessíveis a todos.

Parte da área infantil dedicada às crianças e às interações entre pais, na Biblioteca Pública Oodi, em Helsinque.

5 - Estilo de vida simples e baixo em estresse

As pessoas costumam dizer que quanto mais uma pessoa possui, mais ela quer, mas eu acredito que, quando uma sociedade possui suas necessidades básicas supridas, ela não precisa buscar felicidade em vaidades. Quando falo sobre necessidades básicas, estou falando de acesso à saúde, e não acesso ao último óculos de realidade virtual da Meta, ok? E esse é o caso da Finlândia: as pessoas possuem um estilo de vida simples. Se você quiser fazer amizade com um finlandês, vai aumentar suas chances ao evitar falar de redes sociais, roupas de grife e a maquiagem mais famosa da vez. Fale sobre propósitos de vida, suas paixões, sustentabilidade, relações sociais…

A primeira colega finlandesa que fiz quando cheguei em Helsinki me convidou para uma sauna para o nosso primeiro encontro. É isso mesmo que você leu. A primeira coisa que eu fiz, claro, foi verificar a política de vestimenta do estabelecimento e, para minha alegria, todo mundo precisava estar vestido. Sou aventureira, mas achei meio demais a ideia de encontrar uma estranha para nos conhecermos numa sala cheia de pessoas nuas. Lá fui eu encontrá-la, e lá, passamos horas conversando sobre tudo, assim como foi com minha amiga finlandesa de Toulouse.

Além da filosofia de vida simples, a combinação de todos os pontos que descrevi acima com políticas governamentais que facilitam os direitos no trabalho tornou a Finlândia um dos 5 países com maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal em 2024. Direitos como 14 meses de licença parental (combinados) disponíveis para pais assalariados, afastamento por doença 100% remunerado, entre outros, fazem com que os finlandeses tenham acesso a um estilo de vida com espaço para a vida familiar, comunitária, esportiva, entre outros.

Vamos combinar que é mais fácil ser feliz quando você não está com medo de ficar doente, ter metade do seu salário cortado e deixar de atender às necessidades da sua família, não é mesmo? A ansiedade financeira é algo que deteriora a saúde mental de qualquer pessoa. Embora eu, você e as pessoas mais influentes do mundo saibamos disso, poucos países no mundo possuem leis trabalhistas (que são cumpridas) que nos protegem tanto diante desses empecilhos da vida. A Finlândia é um deles.

Crianças finlandesas chamando o amigo, que estava na pista jogando hockey com os outros.

Mas e então, quem é mais feliz?

A resposta para nossa pergunta inicial é: pessoas felizes estão em qualquer lugar do mundo. É possível ser feliz na Finlândia, mas também nas Filipinas. O grande ponto aqui não é que os finlandeses sejam o povo mais feliz do mundo, mas sim que estão entre os menos insatisfeitos.

O ser humano tem uma capacidade impressionante e única, própria da nossa espécie, de achar sentido em variados contextos, de ser resiliente diante de crises, de ser criativo diante das rasteiras da vida, de criar, mesmo em meio a condições adversas. O samba foi criado não só como uma forma de resistência cultural dos africanos escravizados, mas também como uma necessidade humana de criar espaços mentais de alívio diante do sofrimento. O blues estadunidense era uma forma de expressão da tristeza, da luta contra a opressão e da busca por alívio emocional diante da segregação racial e das condições precárias de vida. A sauna finlandesa foi criada como uma forma de manter a higiene e o bem-estar em um país onde a água quente era rara no inverno rigoroso.

E você, aí no seu país atual, leu esse texto até o final, muito possivelmente para suprir alguma necessidade pessoal sua. Eu não sei qual é essa necessidade, mas espero que tenha ajudado em algo. Continue construindo a sua felicidade, de onde quer que esteja lendo.

Agora me conta aqui nos comentários: Você acha que há sociedades mais felizes? Eu sinceramente, acho que as pessoas mais felizes (ou ao menos mais positivas e sorridentes) que conheci foram filipinos. E você?

Gabriella é psicóloga clínica intercultural e trabalha exclusivamente com brasileiros que moram fora do Brasil. Produz ativamente conteúdos sobre saúde mental e imigração nas redes sociais e é autora de uma série de e-books que abordam os desafios e as conquistas da experiência migratória.

Esse post tem 2 comentários

  1. Ótimo texto Gabriella, obrigada por compartilhar essa sua experiência na Finlândia.
    Eu acredito que a felicidade é muito conectada com a gratidão e isso vem muito do caráter da pessoa, sem importar a sociedade em que vive.
    Porém é certo que a felicidade pura e genuína é a de viver com simplicidade, em paz, com segurança e as necessidades básicas atendidas. O que parece o mínimo, mas pouquíssimos países estão a altura de oferecer isso a seus habitantes.
    Fiquei curiosa e interessada em passar uns dias frios na Finlândia 🙂

    1. A gratidão de fato é uma habilidade protetiva para nossa saúde mental, Fernanda. E pensando bem, é verdade que poucos países oferecem essa qualidade de vida aos habitantes. Se decidir visitar, desejo boa viagem! Sou suspeita para falar pois eu amei o país!

Deixe um comentário

Comece a digitar e pressione Enter para pesquisar...

Shopping Cart

Nenhum produto no carrinho.